Imaginemos uma adolescente ou uma criança que teve imagens íntimas de nudez compartilhadas através de um perfil fake numa rede social pertencente a uma Big Tech. Provavelmente seus responsáveis legais irão procurar a Polícia Civil para registrar um Boletim de Ocorrência e um policial recomendará a procura de um advogado para tomar as medidas legais cabíveis. E, o causídico decidirá processar a empresa responsável pela rede social com base no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014), em especial o artigo 21. Nesse momento, o advogado terá uma difícil escolha a fazer: ajuizar a demanda na Vara Cível Comum ou na Vara da Infância. Se ajuizar na Vara Comum, optará por prazos fixados dentro do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015), onde o prazo para a empresa recorrer de uma eventual sentença condenatória, por exemplo, será de 15 (quinze) dias úteis. Porém, se o defensor escolher a Vara da Infância (art. 208, § 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente), onde terá prazos menores, haja vista o prazo para apelar ser de apenas 10 (dez) dias previsto no artigo 198, inciso II, da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA), o que poderá trazer maior celeridade ao caso concreto. Em ambos os casos, teremos a participação obrigatória do representante do Ministério Público, sob pena de nulidade, nos termos do artigo 2041 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Porém, temos que analisar a urgência do caso, pois a Internet é veloz para espalhar Fake News e nudes, devendo sempre prevalecer o melhor interesse da menor quando ela está perante o Poder Judiciário. 1 Art. 204. A falta de intervenção do Ministério Público acarreta a nulidade do feito, que será declarada de ofício pelo juiz ou a requerimento de qualquer interessado. Se olharmos por este prisma, a escolha da Vara Comum pode prorrogar, desnecessariamente, o sofrimento da adolescente ou da criança, enquanto a Vara da Infância pode trazer a Justiça de forma mais célere. 2. SUPOSTA COMPETÊNCIA DA VARA COMUM Para quem defende que a Vara Comum é competente para julgar casos envolvendo vazamento de nudes com crianças e/ou adolescentes, o principal argumento é que não se trata de ação que envolva discussão sobre disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente a justificar a competência especializada para as questões afetas à infância e juventude, de natureza absoluta incompetência absoluta do Juízo da Infância e Juventude. E podemos citar por exemplo, o seguinte acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo: AGRAVO DE INSTRUMENTO Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais Decisão que não recebeu o recurso de apelação interposto por intempestivo, com base no artigo 198, inciso III, do Estatuto da Criança e do Adolescente Inconformismo – Alegação de inaplicabilidade do Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo em vista que a matéria versa sobre questão patrimonial Admissibilidade – Não se trata de ação que envolva discussão sobre disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente a justificar a competência especializada para as questões afetas à infância e juventude, de natureza absoluta Incompetência absoluta do Juízo da Infância e Juventude reconhecida Recurso provido. (TJSP, Agravo De Instrumento nº 2071894-80.2015.8.26.0000, julgado em 26/07/2018) Assim, temos a tese de incompetência da Vara da Infância de Juventude para julgar ações envolvendo vazamento de nudes de crianças ou adolescentes, mas a jurisprudência diverge sobre o tema. Conforme iniciamos este artigo, uma adolescente ou uma criança poderia buscar através da justiça especial da Vara da Infância e Juventude, haja vista maior celeridade processual, entre elas os prazos mais curtos, ser compensada pelo dano moral sofrido após suas imagens íntimas serem divulgadas indevidamente em rede social pertencente a uma Big Tech. Há divergência jurisprudencial quanto a matéria, tendo em vista que outros Tribunais tem entendido como competente a Vara da Infância e Juventude para discutir julgar demandas envolvendo danos morais sofridos por crianças ou adolescentes. No mais, a competência da Vara da Infância e da Juventude é absoluta e justifica-se pelo relevante interesse social e pela importância do bem jurídico a ser tutelado, bem como por se tratar de questão afeta a direitos individuais, difusos ou coletivos dos menores, nos termos dos artigos 148, inciso IV, 208, parágrafo 1º, e 209, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ademais, porquanto o Estatuto da Criança e Adolescente é lex specialis, prevalece sobre a regra geral de competência das Varas Cíveis, quando o feito envolver ações sobre danos morais sofridos por menores que objetiva a defesa dos interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela Constituição e pela Lei. Podemos citar o acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG): EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL E MATERIAL – “BULLYING” ESCOLAR (AGRESSÃO PSÍQUICA E FÍSICA NO AMBIENTE ESCOLAR) – MENOR – COMPETÊNCIA DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE – SENTENÇA CASSADA. Tendo em vista as atribuições da Vara da Infância e da Juventude elencadas no art. 62 da LCE n.º 51/2001 e o disposto nos arts. 148 , IV , e 209 do ECA , impõe-se o reconhecimento da competência absoluta do juízo da Vara da Infância e da Juventude para processamento e julgamento de ação indenizatória ajuizada pela aluna menor visando a reparação dos danos moral e material que diz ter sofrido em face das agressões psíquicas e físicas suportadas dentro das dependências da escola municipal. (TJ-MG – Apelação Cível AC 10079110161175001 MG (TJ-MG), Data de publicação: 14/05/2018) Referido acórdão refere-se ao julgamento de recurso contra a sentença que julgou incompetente a Vara da Infância e Juventude para analisar ação ajuizada por adolescente que pretendia o recebimento de indenização por danos morais e materiais sofridos. Segundo a decisão acima, a competência da Vara da Infância e Juventude para julgar ações sobre danos morais sofridos por crianças ou adolescentes decorre da própria lei de proteção aos menores, Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA). O mesmo acórdão ainda menciona decisões do Superior Tribunal de Justiça para outras questões envolvendo interesses individuais de crianças e adolescentes de cunho moral e material, sendo que a competência da Vara da Infância para aquelas questões também foi reconhecida pelo STJ: PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTERESSES INDIVIDUAIS, DIFUSOS OU COLETIVOS VINCULADOS À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. 1. A pretensão deduzida na demanda enquadra[1]se na hipótese contida nos arts. 98, I, 148, IV, 208, VII e 209, todos da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e Adolescente), sendo da competência absoluta do Juízo da Vara da Infância e da Juventude a apreciação das controvérsias fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos vinculados à criança e ao adolescente. 2. As medidas de proteção, tais como o fornecimento de medicamentos e tratamentos, são adotadas quando verificadas quaisquer das hipóteses do art. 98 do ECA. 3. A competência da Vara da Infância e da Juventude é absoluta e justifica-se pelo relevante interesse social e pela importância do bem jurídico a ser tutelado nos termos do art. 208, VII do ECA, bem como por se tratar de questão afeta a direitos individuais, difusos ou coletivos do infante, nos termos dos arts. 148, inciso IV, e 209, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Precedentes do STJ. 4. O Estatuto da Criança e Adolescente é lex specialis e prevalece sobre a regra geral de competência das Varas de Fazenda Pública, quando o feito envolver Ação Civil Pública em favor da criança ou adolescente, na qual se pleiteia acesso às ações ou serviços e saúde, independentemente de a criança ou o adolescente estar em situação de abandono ou risco. 6. Recurso Especial provido. (REsp n.º 1486219/MG, 2ª T/STJ, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 4/12/2014 – destaquei) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. AMPLIAÇÃO DE LEITOS INFANTIS. HOSPITAIS PÚBLICOS E CONVENIADOS. DEFESA DE INTERESSES DE CRIANÇAS E DE ADOLESCENTES. COMPETÊNCIA. VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. ARTS. 148, IV, 208, VII, E 209 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REGRA ESPECIAL. I – É competente a Vara da Infância e da Juventude, do local onde ocorreu a omissão, para processar e julgar ação civil pública impetrada contra hospitais públicos e conveniados, determinando a ampliação no número de leitos nas unidades de terapia intensiva infantis, em face do que dispõe os arts. 148, IV, 208, VII, e 209 do Estatuto da Criança e do Adolescente, prevalecendo estes dispositivos em relação à regra geral que prevê como competentes as Varas de Fazenda Pública, quando presente como parte Município. II – Recurso especial provido. (REsp n.º 437.279/MG, 1ª T/STJ, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 17/2/2004) Mas a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo divergiu no acórdão supramencionado, pois este declarou incompetente a Vara da Infância e Juventude. Mas quando temos um direito individual de menor sobre publicação, em rede social de fotografias íntimas, a pretensão judicialmente deduzida se refere a interesse individual de adolescente, especificamente ofensa a direito assegurado, nos termos dos artigos 148, inciso IV e 208, §1º ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, há que se reconhecer que a competência preferencial da da Câmara Especial, por exemplo, para julgamento de um recurso sobre um caso como este em estudo, nos termos do artigo 33, inciso IV do Regimento Interno do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo. Ou seja, a competência absoluta da Vara da Infância e da Juventude, segundo os artigos 208, VII, 148, IV e 209 da Lei 8069/90 (ECA) e Súmula 68 do Tribunal de Justiça de São Paulo. Vejamos: Súmula 68: Compete ao Juízo da Infância e da Juventude julgar as causas em que se discutem direitos fundamentais de crianças ou adolescentes, ainda que pessoa jurídica de direito público figure no pólo passivo da demanda. Logo, a competência da Vara da Infância e Juventude para julgar uma ação envolvendo os danos morais decorrentes da exposição íntima de uma criança ou adolescente deve prevalecer, seja pelo teor da lei (ECA) ou da súmula nº 68 do TJSP. E como se viu nos acórdãos mencionados pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, alguns deles do respeitável Superior Tribunal de Justiça, existe o entendimento de outros Tribunais diferentes do acórdão do TJSP com o reconhecimento da competência da Vara da Infância e Juventude para analisar processos sobre danos morais sofridos por crianças ou adolescentes, pois trata-se de direito individual do menor. Em conclusão, os prazos menores e a interpretação das leis visando o melhor interesse das crianças e dos adolescentes são motivos suficientes para consideramos uma mudança necessária na competência para julgar casos envolvendo o vazamento de nudes de menores.

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