No contexto tributário brasileiro, a bitributação é definida como a incidência de tributos diferentes sobre o mesmo fato gerador, contrariando os princípios constitucionais de legalidade e competência tributária. Este artigo explora a bitributação em relação aos planos de saúde, onde se observa a aplicação de tributos municipais e estaduais sobre os serviços prestados por operadoras de saúde suplementar, bem como a dupla onerosidade imposta aos cidadãos, que já financiam o Sistema Único de Saúde (SUS) por meio de impostos, mas necessitam contratar planos de saúde privados devido à precariedade do sistema público.
A Constituição Federal de 1988 veda a bitributação, assegurando que cada ente federativo exerça sua competência tributária de forma exclusiva. No caso dos planos de saúde, a bitributação ocorre pela incidência simultânea do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), de competência municipal, e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência estadual, sobre as mesmas operações. De acordo com Roque Antonio Carrazza (2019), “a aplicação cumulativa de ISS e ICMS sobre as atividades das operadoras de saúde suplementar não encontra amparo constitucional, configurando uma inobservância do pacto federativo” (p. 153). A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário n. 592.616 reforça esse entendimento, ao excluir a incidência do ICMS sobre tais serviços. A bitributação não apenas afronta a legalidade tributária, mas também gera efeitos econômicos adversos para os contribuintes. A dupla tributação dos serviços de saúde suplementar resulta em um aumento dos custos operacionais das empresas, que são repassados aos consumidores, elevando os preços dos planos de saúde. Conforme Schoueri (2020), “a bitributação impacta diretamente a acessibilidade dos planos de saúde, aumentando a desigualdade no acesso a serviços de saúde de qualidade, especialmente para as camadas mais vulneráveis da população” (p. 102). Além disso, o peso econômico adicional é exacerbado pela necessidade de os cidadãos contratarem planos de saúde privados, mesmo após já terem contribuído para o financiamento do SUS através de impostos como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
A saúde é um direito fundamental garantido pela Constituição, e o SUS foi criado para assegurar a universalidade e integralidade desse direito. No entanto, a ineficiência e subfinanciamento do sistema público de saúde levam muitos brasileiros a contratarem planos privados, resultando em uma forma indireta de bitributação. O cidadão, já onerado pelos impostos que deveriam financiar a saúde pública, é forçado a arcar com custos adicionais para garantir seu atendimento médico. Derzi (2018) argumenta que “a obrigatoriedade de pagamento por planos de saúde privados, diante da insuficiência dos serviços prestados pelo SUS, configura uma duplicidade de ônus que viola o princípio da capacidade contributiva e a equidade fiscal” (p. 221). Isso cria um cenário onde a população paga duas vezes pelo mesmo serviço, uma vez via impostos e outra vez via contratação de planos privados. Para resolver a questão da bitributação sobre os planos de saúde, é necessário revisar a legislação tributária para evitar a superposição de tributos e garantir que o SUS receba o financiamento adequado para cumprir sua função constitucional. Uma reforma tributária que elimine a incidência cumulativa de ISS e ICMS sobre os planos de saúde seria um avanço significativo. Além disso, o governo deve adotar medidas para fortalecer o SUS, garantindo que os serviços de saúde pública sejam eficientes e acessíveis a toda a população, eliminando a necessidade de contratação de planos privados. A justiça fiscal só será alcançada quando o direito à saúde for efetivamente garantido por meio dos impostos já pagos pelos cidadãos.
A bitributação sobre os planos de saúde é uma prática inconstitucional que gera impactos econômicos negativos para os contribuintes e compromete a justiça fiscal. A superposição de ISS e ICMS sobre os serviços de saúde suplementar deve ser eliminada, e o SUS deve ser fortalecido para que a população não seja forçada a arcar com os custos adicionais de planos privados. Somente assim será possível assegurar a universalidade do direito à saúde, conforme garantido pela Constituição Federal.
Artigo escrito por Amanda Cristina Souza Moura – Aluna Ebradi Direto – UNIFACS