No turbilhão de ofertas e promoções, o Dia do Consumidor é mais do que apenas uma data para aproveitar descontos imperdíveis. É uma oportunidade para entendermos melhor os nossos direitos e como eles nos protegem em meio ao frenesi das compras.
Hoje, mergulharemos nos aspectos fundamentais do tão comentado Direito de Arrependimento. Esse direito, consagrado no Código de Defesa do Consumidor, é uma poderosa ferramenta que coloca você no controle das suas decisões de compra, garantindo transparência, segurança e confiança nas relações de consumo.
O Direito de Arrependimento está estampado no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, com o intuito de proteger o consumidor que adquire produtos fora do estabelecimento comercial pois, nessa situação, ele se encontra despreparado e desprevenido.
Quando o consumidor não pode examinar o produto pessoalmente antes da compra (como é o caso das compras digitais), corre-se o risco de receber um item que não corresponda às suas exatas expectativas ou necessidades.
Isso pode levar a uma maior incidência de devoluções e trocas, bem como a uma diminuição da satisfação do consumidor. Portanto, o Direito de Arrependimento busca compensar essa falta de contato físico, permitindo que os consumidores reconsiderem suas decisões de compra e solicitem a devolução do produto, se necessário.
Assim, podemos afirmar que o chamado “Direito de Arrependimento” possui as seguintes funções:
- a) Garantia ao consumidor e estímulo à concorrência saudável: A normativa viabiliza a aquisição do produto mediante a expressão voluntária e esclarecida da vontade do consumidor, ao mesmo tempo em que enaltece os fornecedores que não criam dificuldades ao exercício do Direito de Arrependimento, promovendo um incremento na demanda por meio da confiança estabelecida na oferta de produtos e serviços.
- b) Resguardo da vulnerabilidade perante técnicas agressivas de venda: esta medida visa evitar que as compras sejam efetuadas por impulso, como aquelas influenciadas por estratégias de marketing direcionadas, onde o consumidor é constantemente exposto a anúncios relacionados aos produtos que previamente pesquisou em suas redes sociais, reduzindo assim a possibilidade de decisões de compra precipitadas e baseadas em emoções momentâneas.
- c) Auxílio no déficit informacional e de reflexão: garante-se que as compras equivocadas sejam passíveis de trocas ou devoluções.
- d) Proteção do consentimento do consumidor na sociedade de consumo: promove-se sua manifestação de maneira livre de influências externas ou coerção garantindo, assim, a autenticidade e a integridade das escolhas individuais.
- e) Evitar o litígio e a judicialização: o artigo 49 do CDC, ao conceder ao consumidor a possibilidade de devolver o produto sem envolver o Poder Judiciário, contribui para a prevenção de disputas legais e simplifica a resolução de conflitos.
Apesar de todos esses esforços, ainda causa espanto a enorme quantidade de demandas levadas ao Poder Judiciário, no intuito de resolver impasses atinentes ao Direito de Arrependimento. Além das funções que o direito de arrependimento exerce no ordenamento pátrio, a sua natureza jurídica é de extrema importância, sendo:
a) Direito potestativo: é um direito que não está sujeito a contestações. Portanto, o consumidor não pode renunciar ao seu exercício, e o fornecedor não pode recusar sua observação.
b) Direito formativo extintivo do contrato: uma vez que ao optar por esse direito, o consumidor (e somente ele) colocará fim a relação contratual.
c) Espécie de resolução do contrato: o consumidor pode optar que, ao invés da troca do produto por outro, o contrato se encerre, com a devolução dos valores pagos.
d) Exercício regular do direito: conduta autorizada pelo ordenamento jurídico. Assim, o direito de se arrepender é plenamente admissível no direito brasileiro, pois, encontra regulamentação no artigo 49, CDC.
Finalmente, abordaremos as características do direito de arrependimento. As suas particularidades podem ser identificadas da seguinte maneira:
a) Exceção ao princípio da força obrigatória dos contratos: diferente do pacta sunt servanada (o contrato faz lei entre as partes), permite-se que o contrato não seja cumprido, ante o fato da aquisição do produto ter ocorrido fora do estabelecimento comercial.
b) Imotivabilidade: a utilização do Direito de Arrependimento não dependerá de qualquer motivação, em face da sua natureza de direito potestativo. Isso não significa que a motivação será proibida, na verdade, ela é facultativa, podendo ou não ser ofertada ao fornecedor, antes que o Direito de Arrependimento ocorra.
Apesar da ausência de motivação, a lei não confere amplos poderes ao consumidor, isto é, confere a ele o direito de optar por um novo produto semelhante ou a devolução do dinheiro. Essa característica se assemelha ao direito do locatário em realizar uma denúncia vazia, requerendo o seu imóvel do locador.
c) Irrenunciabilidade: por ser um direito potestativo, inadmite-se, também, a sua renúncia. Sendo assim, a única hipótese cabível é o seu não exercício, a inércia do consumidor em exercer o direito ao arrependimento. Algumas exceções, contudo, são previstas pela doutrina e pela jurisprudência, conforme veremos na sequência.
d) Inindenizabilidade: o exercício do arrependimento não deve gerar qualquer despesa ao consumidor.
Embora existam dispositivos no Código de Defesa do Consumidor, o Decreto-lei 7.962/2013 reforçou, ainda mais, o direito de os consumidores exercerem o Direito de Arrependimento pois elencou novas especificações ao seu exercício, evitando quaisquer dúvidas que pudessem surgir pelo consumidor e aplicador do direito, senão vejamos:
a) Artigo 5º, caput: a informação sobre o exercício deste direito deve ocorrer de forma clara e ostensiva pelo fornecedor.
b) Artigo 5º, parágrafo primeiro: poderá ser exercido da mesma forma que a contratação, sem prejuízo dos demais meios utilizados. Ex: contratação realizada por telefone x Direito de Arrependimento ser realizado da mesma forma (telefone)
c) Artigo 5º, parágrafo segundo: o exercício do Direito de Arrependimento ensejará a rescisão contratual dos contratos acessórios, seguindo a máxima do artigo 92, do Código Civil.
d) Artigo 5º, parágrafo terceiro: o Direito de Arrependimento será comunicado, de forma imediata, a instituição financeira ou a administradora do cartão de crédito para que a transação não seja lançada na fatura ou para que haja o estorno do valor.
Essa inovação foi bastante útil, pois, o ônus de informar a instituição financeira ou o cartão de crédito era de responsabilidade dos consumidores, atrasando o exercício do Direito de Arrependimento, bem como a restituição dos valores pagos.
e) Artigo 5º, parágrafo quarto: o fornecedor tem a incumbência de enviar, imediatamente, ao consumidor uma confirmação acerca da sua manifestação de arrependimento.
f) Disponibilização de formulários, de fácil acesso: que possibilitem que o Direito de Arrependimento seja realizado de forma clara e célere.
Diante dessas informações iniciais e do que dispõe o próprio caput do artigo, verifica-se, segundo a lei, que o Direito de Arrependimento é absoluto, não admitindo qualquer exceção.
Importante: para que esse direito seja exercido, imprescindível a observância do prazo de 7 dias, contados:
- Da data da assinatura do contrato.
- Do ato de recebimento do produto ou realização do serviço.
Vale destacar que o comando para o exercício do referido direito (fora do estabelecimento comercial) deve ser entendido de forma ampla, abrangendo as contratações realizadas via telefone; correspondência (mala direta, carta-resposta); internet, whatsapp, toten, e-commerce, dentre outros pois, apesar da norma citar apenas telefone e compras realizadas em domicílio, o rol é meramente exemplificativo, acompanhando as mudanças na sociedade.
Um aspecto fundamental que merece destaque é a grande diferença entre o Direito de Arrependimento e o “Direito à Devolução”. É importante compreender claramente esses dois conceitos para garantir uma abordagem adequada e eficaz na proteção dos direitos do consumidor.
Direito de Arrependimento | Direito à devolução |
É imotivado |
Necessita de motivação, consistente no vício ou defeito do produto ou serviço |
Prazo de 7 dias |
Prazo de garantia legal:
90 dias-bens duráveis 30 dias-bens não duráveis Prazo de garantia contratual |
Note que a troca de produtos em lojas por outros sem a existência de qualquer defeito ou vício não consiste em um direito do consumidor, mas em verdade, uma mera liberalidade do fornecedor. Os fornecedores, frequentemente, permitem a troca de produtos (não viciados ou defeituosos) mesmo sem obrigação legal, por várias razões estratégicas e comerciais. Oferecer essa possibilidade pode fidelizar o cliente, aumentar sua satisfação, melhorar a imagem da marca e aumentar a competitividade no mercado. Embora não seja uma obrigação legal, a troca é uma prática comum que ajuda a melhorar o relacionamento com os clientes e impulsionar as vendas. Por isso, essa faculdade variará de fornecedor para fornecedor, inclusive, quanto ao prazo que costuma ser definido em torno de 30 dias.
Existe exceção ao Direito de Arrependimento?
Embora o direito ao arrependimento seja assegurado de forma absoluta pela lei, a doutrina e jurisprudência têm adotado uma abordagem mais flexível, relativizando esse dispositivo e, por vezes, deixando de aplicar a regra estipulada no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Os argumentos utilizados para excepcionar a regra do artigo 49 se baseiam, principalmente, nos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. A boa-fé objetiva impõe aos contratantes o dever de agir de maneira leal e honesta, mesmo que não expressamente previsto no contrato, enquanto a função social do contrato determina que este deve ser interpretado e aplicado de acordo com as circunstâncias sociais.
Diante da constatação de que tais princípios não estão sendo respeitados e de que o consumidor está se utilizando do direito de arrependimento de forma abusiva para prejudicar o fornecedor e desequilibrar a relação jurídica, a doutrina e jurisprudência têm adotado uma postura excepcional, permitindo que esse direito não seja deferido em determinadas situações.
Dentre as hipóteses aventadas na jurisprudência estão:
- Desarmonização e desequilíbrio nas relações de consumo: com a violação dos princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos.
- Enriquecimento indevido por parte do consumidor: prejudicando o fornecedor que, apesar de ter cumprido com todos os seus deveres, terá, ainda, que restituir o valor já pago pelo consumidor.
- Abuso de direito: violando o artigo187, do Código Civil.
- Condição itinerante: quando o serviço se esgota no ato, sem a possibilidade de arrependimento. Ex: download; compra de filmes pelo sistema do pay-per view
- Promoções e outlets: em que não há peças para troca, dada a redução do estoque
- Uso ou depreciação do bem: demonstrando a má-fé da parte, que, ao invés de utilizar o prazo para reflexão, se utiliza do produto e, ainda, requerer a devolução do dinheiro, causando prejuízo ao fornecedor.
- Arrependimento continuado: demonstrando que o consumidor faz dessa prática um modo de vida
- Produtos personalizados: impedindo que o produto seja destinado a outro consumidor.
- Produtos de risco.
Portanto, a depender do caso em concreto, será possível a limitação do Direito de Arrependimento, com razão, uma vez que os princípios da boa-fé objetiva e da função social estão sendo desvirtuados e o consumidor, se prevalecendo da sua condição de vulnerabilidade, para ocasionar o enriquecimento indevido.
Neste Dia do Consumidor, é essencial refletirmos sobre a importância do direito de arrependimento e seu papel na proteção dos consumidores. Embora seja uma garantia legal, sua aplicação deve ser cuidadosamente ponderada, levando em consideração os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Ao garantir um equilíbrio entre os direitos do consumidor e a sustentabilidade das relações comerciais, podemos fortalecer ainda mais os pilares do consumo consciente e da justiça nas transações comerciais. Que este dia sirva não apenas como uma celebração dos direitos do consumidor, mas também como um lembrete do compromisso contínuo com a promoção de relações justas e transparentes entre consumidores e fornecedores.