Por José Pacheco
Tema bastante polêmico é o que trata da possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância. Tal debate jurídico ganhou grande repercussão social ultimamente, influenciado por questões ideológicas e políticas.
Ocorre na sociedade um certo debate maniqueísta, em que quem é contra a corrupção e a impunidade é necessariamente a favor da prisão após a condenação em segunda instância. Contudo, essa não é a melhor postura quando se discute a interpretação de normas jurídicas.
Neste post, pretende-se abordar o tema da prisão após condenação em segunda instância sob o enfoque jurídico. Nesse sentido, você conhecerá a atual posição do STF e as mudanças jurisprudenciais ocorridas até o seu atual posicionamento. Quer saber mais? Então continue a leitura!
O que é a prisão após condenação em segunda instância?
De início, é necessário esclarecer que o sistema de Justiça é dividido em instâncias, que funcionam como graus de revisão de decisões judiciais. Logo, a ação judicial se inicia no primeiro grau (composto por um Juiz) e, em caso de alguma decisão injusta, pode-se recorrer para os outros graus formados por tribunais.
No Direito Penal brasileiro, há quatro instâncias: Juízes, Tribunais estaduais ou regionais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Portanto, em tese, uma ação judicial só tem fim quando passar por todas essas instâncias.
Nesse sentido, alguém só pode ser considerado culpado quando esse processo tiver fim e não houver mais possibilidade de recorrer a graus superiores, ocorrendo o que se chama de trânsito em julgado. Isso se dá pelo chamado princípio da presunção de inocência, que tem status de direito fundamental, estando presente no art. 5º, LVII, da CF/88.
Ocorre que, apesar de a referida norma constitucional dispor que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado, a tradição jurídica brasileira permitia a prisão após a condenação em segunda instância. O entendimento era de que, se os recursos relativos às terceira e quarta instâncias (recursos especiais e extraordinários) não têm efeito suspensivo, então as decisões dos tribunais de segunda instância podem ser prontamente executadas.
Além disso, tais recursos (especiais e extraordinários) não realizam reexame de fatos e provas, mas tão somente matéria de Direito. Logo, a culpa não seria mais discutida nos tribunais superiores. Desse modo, seria possível iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade após condenação em segunda instância, mesmo que seja possível recorrer dessa decisão para o STJ e STF.
Nesse sentido, a condenação em segunda instância é uma condenação provisória, pois ainda pode ser revertida. No entanto, tal possibilidade de reversão não se mostra muito comum na prática. Em 2018, o STJ realizou pesquisa que demonstrou o percentual de absolvição de réus condenados em segunda instância em apenas 0,62 %.
Ainda apenas 1,02% resultou em substituição da pena restritiva de liberdade por pena restritiva de direitos, assim como em 0,76% houve o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva. Isso representa bem como a prisão após a condenação em segunda instância pode ser mais efetiva.
Em sentido contrário, o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que, para alguém ser preso, não basta a condenação em segunda instância. Portanto, é necessário que haja a condenação definitiva, ou seja, deve-se aguardar o trânsito em julgado da condenação.
Tal posicionamento do Supremo Tribunal Federal repercutiu bastante na sociedade, pois permitiu a soltura do ex-presidente Lula. Nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, do Supremo, o caso Lula contaminou o debate jurídico acerca da prisão após condenação em segunda instância.
Quais são as interpretações do STF sobre o assunto?
Até fevereiro de 2009, o entendimento do Supremo Tribunal Federal era pela possibilidade de execução provisória da pena a partir da condenação em segunda instância.
Conforme anteriormente mencionado, o fundamento para esse posicionamento era que os recursos aos tribunais superiores (recurso especial e extraordinário) não têm efeito suspensivo. Logo, após a condenação em segunda instância, o réu poderia ser preso, mesmo ainda sendo possível interpor os recursos especial ou extraordinário.
Contudo, em fevereiro de 2009, houve uma grande mudança de entendimento. Com o julgamento do Habeas Corpus 84078 (Relator Ministro Eros Grau), entendeu-se pela impossibilidade da execução provisória da pena. Considerou-se que a prisão após condenação em segunda instância é incompatível com a presunção de inocência protegida pela Constituição da República.
Nesse sentido, haveria restrição inconstitucional do direito de defesa do réu. Ressalta-se que a prisão antes do trânsito em julgado ainda seria possível, mas somente de modo cautelar, preenchendo os pressupostos da prisão preventiva (art. 312 do CPP).
Esse entendimento perduraria até fevereiro de 2016, quando do julgamento do Habeas Corpus 126292 (Relator Ministro Teori Zavascki), que retomou a possibilidade anterior de prisão após condenação em segunda instância. Foi essa decisão que possibilitou, à época, a prisão do ex-presidente Lula.
Dentre os argumentos defendidos para a prisão após condenação em segunda instância, estava o fato já mencionado de que os recursos especiais e extraordinários não têm efeito suspensivo. Além disso, tais recursos não se prestam a discutir fatos e provas, mas só matéria de direito. Logo, estaria exaurido o princípio da não culpabilidade, após a condenação em segunda instância.
Também se argumentou a respeito da necessidade de harmonizar o princípio da presunção de inocência com a efetividade da Justiça, buscando, portanto, equilibrar os interesses dos acusados com o interesse social. Observa-se que a elevada quantidade de recursos e graus recursais, combinada com a impossibilidade de execução provisória da pena, acaba por tornar o sistema de Justiça Penal demasiadamente moroso, dificultando o combate à impunidade e à corrupção.
É importante colocar a outra faceta do garantismo penal: o garantismo penal positivo, que veda a proteção deficiente por parte do Estado. Segundo um juízo de proporcionalidade, o Estado não pode se omitir em agir efetivamente de forma célere na garantia de proteção da sociedade. Outro argumento favorável é que, comparativamente a outros países, a maioria deles já executa as condenações logo após o duplo grau de jurisdição, mesmo que eventualmente ainda haja a possibilidade de recursos.
No entanto, ao julgar as ações declaratórias de constitucionalidade 43, 44 e 54, o STF realizou nova mudança de entendimento para considerar inconstitucional a prisão após condenação em segunda instância. Desse modo, retornou-se ao posicionamento que havia entre 2009 e 2016, com eficácia vinculante.
O julgamento de tais ações declarou constitucional o artigo 283 do CPP que prevê como prisão antes do trânsito em julgado apenas as prisões em flagrante, temporária e preventiva. Ou seja, não há previsão legal para a prisão provisória após condenação em segunda instância.
Todavia, pode ser feita a alteração legal para incluir a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Nesse sentido, o Congresso Nacional discute o Projeto de Lei 166/18 e a PEC 199/19 que visam à possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
Esse foi o panorama a respeito da prisão após condenação em segunda instância. Gostou da leitura? Então, compartilhe este post em suas redes sociais!
A prisão após condenação em segunda instância é plenamente constitucional, não havendo necessidade de qualquer reforma da legislação.
A almejada segurança jurídica sobre o tema “prisão após condenação em segunda instância” demanda a resolução da dicotomia entre os conceitos de TRÂNSITO EM JULGADO e COISA JULGADA. Em outras palavras, há outro caminho para o reconhecimento da possibilidade – já contida no atual texto constitucional (art.5º, inciso LVII, da CF) – de prisão após condenação em segunda instância, entenda-se, voltado para uma melhor compreensão do próprio conceito de TRÂNSITO EM JULGADO, desvirtuado através de antigo paralogismo que insiste em confundi-lo com o conceito de COISA JULGADA.
Observe-se que é do teor do art.502, do Código de Processo Civil (assim como do art.6º, § 3º, do Decreto-Lei 4657/42 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) que se extrai a certeza de que as ideias de irrecorribilidade e imutabilidade do julgado dizem respeito ao conceito de coisa julgada, não ao conceito de trânsito em julgado, lembrado que as duas expressões são utilizadas em diferentes incisos (XXXVI e LVII) do próprio art. 5º, da CF; insofismável evidência de que o Poder Constituinte optou por recepcioná-las com sentidos diferentes. E segundo lição do jurista Eduardo Espínola Filho, transita em julgado a sentença penal condenatória a partir do momento em que já não caiba recurso com efeito suspensivo. Assim, considerando que os recursos excepcionais (para o STJ e o STF) são desprovidos de efeito suspensivo, esgotada a segunda instância, a decisão condenatória transita em julgado de imediato; ainda que fique pendente a coisa julgada por força de eventual recurso excepcional. Como se vê, compreendido o conceito de trânsito em julgado, resulta natural e suficiente a aplicação da atual redação do art.5º, inciso LVII, da CF, assim como do art.283, do CPP, não havendo que falar na pretensa necessidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ou de uma norma infraconstitucional que tenha por objeto a já constitucional prisão após condenação em segunda instância (execução penal provisória).
Por outro lado, considerando que haverá resistência (doutrinária e jurisprudencial) à resolução da dicotomia entre os conceitos de TRÂNSITO EM JULGADO e COISA JULGADA, de toda conveniência que a insegurança jurídica seja elidida através de uma norma infraconstitucional; algo que pode ser feito, por exemplo, mediante inserção do adequado conceito de TRÂNSITO EM JULGADO (ausência do efeito suspensivo em determinados recursos) em novo parágrafo, do art.6º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Para uma melhor compreensão, pesquise o artigo “exaure-se a presunção de inocência com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ainda que pendente a coisa julgada”.
Muito bom