Em julgamento recente, sob relatoria da Ministra Nancy Andrighi (REsp 1580278), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar ação coletiva ajuizada pela Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor (Anadec), entendeu que o percentual máximo de multa a ser cobrada do consumidor na hipótese de cancelamento de viagem ou pacote turístico não poderá, em regra, ultrapassar 20% do valor do contrato, quando a desistência ocorrer menos de 29 dias antes da viagem. Nesse sentido, a cobrança de valores superiores fica condicionada à comprovação de efetivos gastos irrecuperáveis pela agência de turismo.

Veja-se a ementa do acórdão:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. CONTRATO. TURISMO. RESILIÇÃO UNILATERAL. PREVISÃO EXPRESSA. MULTA PENITENCIAL. VALOR. PARÂMETROS. ARTS. 413 E 473, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC/02. APLICAÇÃO ANALÓGICA. EQUILÍBRIO CONTRATUAL. RESTAURAÇÃO. ARTS. 6º V, 39, V, 51, IV e XV, do CDC. ABUSIVIDADE. RECONHECIMENTO.

 

1. Cuida-se de ação coletiva de consumo por meio da qual se questiona a abusividade de cláusula contratual que impõe aos consumidores a cobrança de multa de 25 a 100% nos casos de cancelamento da viagem, pacote ou do serviço turístico contratado. 2. Recurso especial interposto em: 12/09/2014. Conclusos ao gabinete em: 25/08/2016. Aplicação do CPC/73. 3. O propósito recursal é determinar se a multa penitencial, relativa ao exercício do direito de resilição unilateral previsto contratualmente em favor do consumidor, pode ser revista por aplicação das normas do CDC e se seu valor, fixado entre 25% a 100% do valor contratado, é abusivo. 4. Segundo o princípio da obrigatoriedade ou da força obrigatória dos contratos, o contrato deve ser cumprido nos exatos termos definidos pelo exercício da vontade livre dos contratantes, razão pela qual, pela regra da intangibilidade, não se permite a revogação unilateral ou a alteração das cláusulas contratuais, o que somente pode ocorrer mediante novo concurso de vontades. 5. No entanto, os contratantes podem, no exercício da autonomia da vontade, prever expressamente o direito à resilição unilateral, ou arrependimento, o qual constitui direito potestativo – um poder a ser exercido por qualquer dos contratantes independentemente do consentimento da outra parte – que não acarreta o descumprimento do contrato. 6. Como contraprestação ao exercício do direito de resilição, as partes estipulam, em regra, uma multa penitencial, a qual confere ao devedor o direito de optar entre cumprir a obrigação assumida ou desvincular-se dela, mediante o pagamento do valor da multa pactuada. 7. O valor correspondente ao exercício do direito à resilição unilateral do contrato fica submetido à autonomia da vontade dos contratantes, mas o exercício dessa liberdade contratual não é ilimitado, pois balizado pela boa-fé objetiva e a função social do contrato a ser resilido. 8. Os limites ao exercício da autonomia da vontade dos contratantes podem ser inferidos, por analogia, do parágrafo único do art. 473 do CC/02, ficando o valor da multa penitencial vinculado a: a) os investimentos irrecuperáveis – assim entendidos aqueles que não possam ser reavidos pela cessão do objeto do contrato a terceiros – realizados pelo contratante inocente; b) os prejuízos extraordinários, que não alcançam a expetativa de lucro e não envolvem a assunção dos riscos do negócio pelo contratante desistente, pois perdas financeiras fazem parte da própria álea negocial; e c) o prazo do exercício do direito potestativo – que deve ser hábil à recuperação dos citados valores pelo contratante subsistente. 9. O valor da multa contratual pode ser revisto em juízo, com vistas a reestabelecer o equilíbrio contratual entre as partes, evitando-se o enriquecimento sem causa do credor da quantia, por aplicação analógica do art. 413 do CC/02. Precedentes 10. Além da proteção do CC/02, é direito básico do consumidor a proteção contra práticas e cláusulas abusivas, que consubstanciem prestações desproporcionais, cuja adequação deve ser realizada pelo Judiciário, a fim de evitar a lesão, o abuso do direito, as iniquidades e o lucro arbitrário 11. Na hipótese em exame, o valor da multa penitencial, de 25 a 100% do montante contratado, transfere ao consumidor os riscos da atividade empresarial desenvolvida pelo fornecedor e se mostra excessivamente onerosa para a parte menos favorecida, prejudicando o equilíbrio contratual. 12. É equitativo reduzir o valor da multa aos patamares previstos na Deliberação Normativa nº 161 de 09/08/1985 da EMBRATUR, que fixa o limite de 20% do valor do contrato às desistências, condicionando a cobrança de valores superiores à efetiva prova de gastos irrecuperáveis pela agência de turismo. 13. Na hipótese em tela, o contrato estabelece o início da cobrança da multa penitencial no 29º dia anterior ao início da viagem, devendo, assim, ser reduzido a 20% o percentual máximo de referida multa pelo exercício da desistência a partir do referido marco temporal, com o condicionamento da cobrança de valores superiores à prova de efetivos gastos irrecuperáveis.  14. Recurso especial parcialmente provido.

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9 – Tutela Coletiva do Consumidor

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